Brasil
Estudo da USP mostra que quase 30% dos jovens brasileiros jogam games de forma compulsiva
Os adolescentes se tornam tão viciados que adquirem o chamado transtorno de jogo pela internet
Um estudo realizado pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) com adolescentes brasileiros apontou que 85% deles costumam jogar videogame e 28% exageram chegando a apresentar sinais do chamado transtorno de jogo pela internet. Essa condição é caracterizada pela prática excessiva de jogos online, perdendo o estímulo em outras áreas da vida, como escola e atividades sociais. Quando está longe dos games, podem surgir sintomas de abstinência.
“A prevalência de jovens que jogam problematicamente encontrada no Brasil é maior que a de outros países”, comenta a psicóloga Luiza Brandão, principal autora do estudo, em entrevista ao Jornal da USP.
O transtorno está descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Psicologia, usado em todo o mundo e que lista as categorias de transtornos mentais e os seus critérios de diagnóstico de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria.
“Tenho percebido um aumento de procura por ajuda psicológica por conta de problemas envolvendo uso excessivo de videogames por essa população [crianças e adolescentes]”, observa a psicóloga. Foi essa percepção que a motivou a desenvolver a pesquisa.
Para realizar a pesquisa, foram utilizados dados do programa #Tamojunto 2.0, do Ministério da Saúde, que é voltado para a prevenção ao uso de álcool e drogas por adolescentes. Ele é inspirado em um programa europeu de prevenção escolar ao uso de drogas denominado Unplugged, que foi adaptado ao contexto brasileiro e testado por meio de um ensaio controlado randomizado entre alunos que cursavam o oitavo ano de 73 escolas públicas de três cidades brasileiras: São Paulo (SP), Eusébio (CE) e Fortaleza (CE). O programa consiste em 12 aulas desenvolvidas ao longo de um semestre letivo, além de oficinas direcionadas para os pais e responsáveis.
A pesquisa da USP envolveu inicialmente 3.939 estudantes. Já um segundo momento contou com 3.658 alunos. Mais de 90% dos participantes tinham entre 12 e 14 anos e cerca de 50% pertenciam à classe média. Ambos os estudos são uma subamostra do programa do Ministério da Saúde, que teve um total de 5.371 participantes.
Os estudantes que participaram do #Tamojunto 2.0 responderam a um questionário com 60 perguntas que investigavam questões como: uso de drogas, bullying, classe socioeconômica, sintomas psiquiátricos e uso de jogos eletrônicos. O questionário era respondido de maneira anônima nas salas das escolas, sem a presença do professor, em um período da aula. Isso fez com que as últimas perguntas, que eram relacionadas aos jogos eletrônicos, tivessem menos respostas.
Perfil do uso problemático
“Foi encontrada uma prevalência de 85,85% de adolescentes que jogam videogames, sendo que 28,17% preenchem critérios para uso problemático”, conta Luiza Brandão ao Jornal da USP. Esses dados mostram também que, apesar de o uso de videogames no Brasil ser compatível com o mundial, o uso problemático é mais alto que a média de outros países.
Uma das hipóteses para isso está na dificuldade de os brasileiros se envolverem com outras atividades devido à falta de acesso a serviços de lazer e esportes públicos e aos altos índices de violência que impactam os encontros presenciais entre os jovens.
A pesquisa também possibilitou entender quem está mais propenso ao uso problemático. “Entre as características do perfil de estudantes com maior probabilidade de jogar videogames de modo problemático estão: ser do sexo masculino, usuário de tabaco e álcool, praticar ou ser vítima de bullying e ter níveis clínicos de sintomas de hiperatividade, problemas de conduta e de relacionamento entre pares”, aponta a psicóloga. O relacionamento entre pares é aquele que acontece entre pessoas com características semelhantes, tais como a idade e habilidades.
Por meio da pergunta utilizada no estudo dois também foi possível constatar que 57% dos adolescentes jogam como forma de se esquivar da vida real. O perfil desses jovens está associado, por exemplo, ao sexo masculino, ao uso de tabaco, à prática e à vitimização do bullying e a níveis saudáveis de comportamentos pró-sociais, que é a intenção de beneficiar outras pessoas por meio da ajuda ou compartilhamento.
O uso problemático de videogames, além de afetar o próprio jovem, que deixa de dar atenção a outros aspectos da vida, também afeta quem está ao redor. "Como estamos falando de adolescentes que moram com suas famílias, o uso indiscriminado afeta quem convive com eles. Por exemplo, pode haver um crescimento dos conflitos para que os adolescentes desliguem o jogo, pode ocorrer um afastamento dos amigos e familiares ou aumento de comportamentos agressivos, o que piora os relacionamentos de maneira geral", sugere a pesquisadora da USP.
(Com Jornal da USP)