Ciência
O que acontece com a Europa se a Rússia deixar de fornecer gás natural?
ONG belga revela que a União Europeia poderia zerar o estoque de gás russo até abril de 2022, caso haja desabastecimento
A Rússia tem sido historicamente o maior fornecedor de gás natural da União Europeia (UE). Após as disputas no fornecimento entre Rússia, Ucrânia e Europa entre 2006 e 2009, seguidas das tensões geradas quando o governo de Vladimir Putin tomou posse da península ucraniana da Crimeia em 2014, a UE procurou reduzir sua dependência das importações de gás natural russo. No entanto, ela ainda importa cerca de 40% do produto diretamente da Rússia, informa a ONG internacional Bruegel, especialistas em análises econômicas.
Com o agravamento do conflito entre Rússia e Ucrânia nesta quinta (24/2), surge a dúvida se os europeus conseguiriam sobreviver casos os russos deixassem de fornecer gás natural, especialmente durante o inverno no hemisfério norte – é muito usado no aquecimento das residências na Europa.
Aconteça o que acontecer, segundo a Bruegel, a solução mais eficiente requer ajustes da demanda para reduzir a dependência do gás, em vez de apenas substituir o país de origem da importação do produto.
A ONG lembra que, apesar de a Europa ter aumentado a importação do gás russo, passando de 60 Terawatts-hora (TWh, que é um cálculo de armazenamento energético) nos primeiros 24 dias de dezembro de 2021 para 80 TWh nos primeiros 24 dias de janeiro de 2022, ainda não se viu uma queda drástica na temperatura desde o Natal. Por exemplo, as temperaturas médias diárias no aeroporto internacional de Frankfurt, na Alemanha, até o momento estão em 4,7º C, acima da média de 3,1º C dos últimos 10 anos, informa a Bruegel.
Se a Rússia continuar fornecendo gás nos níveis atuais, e a demanda permanecer na média, o armazenamento em toda a União Europeia atingiria um mínimo de aproximadamente 320 TWh em abril 2022, de acordo com a ONG sediada na Bélgica.
Se a Rússia cortar o fornecimento em fevereiro, o armazenamento atingiria um nível mínimo de 140 TWh em abril de 2022. Se, além do corte de abastecimento russo, o clima estiver extremamente frio, o armazenamento em toda a UE ficará zerado até o final de março de 2022.
Portanto, no curto prazo e considerando toda a Europa, o bloco provavelmente será capaz de sobreviver a uma interrupção dramática nas importações de gás da Rússia. No entanto, o quadro torna-se mais complicado quando são considerados os mercados de cada país da UE, alerta a Bruegel.
E se o fornecimento de gás russo for interrompido por anos?
Passar meio inverno sem importações russas pode ser difícil, mas administrar a economia europeia por vários anos sem gás russo seria um enorme desafio. Embora haja mais tempo para se preparar.
Em 2021, as exportações russas de gás natural para a União Europeia totalizaram cerca de 1.700 TWh, especialmente via gasoduto. Isso implica que esse valor teria que ser substituído caso a Rússia interrompesse completamente as exportações para a Europa.
O rápido aumento da produção doméstica só seria possível em campos de gás que tenham capacidade ociosa, segundo a ONG belga. Tecnicamente, mais gás pode ser extraído do campo de Groningen, na Holanda, mas obter algumas dezenas de TWhs adicionais por ano exigiria que o governo holandês afrouxasse a moratória que restringe fortemente a produção para evitar terremotos na região.
Além das restrições baseadas no mercado, os países da UE precisam de planos de emergência, que podem incluir forçar o fechamento de indústrias não críticas. Simultaneamente, a redução do aquecimento em edifícios comerciais/escritórios e residências também pode ser obrigatória, orienta a Bruegel.
Outra opção é que os moradores da União Europeia ajudem na conservação de energia. Por exemplo, baixando ligeiramente os termostatos durante o inverno ou fazendo pequenas melhorias de eficiência energética, como portas com isolamento térmico. Com isso, cerca de 2% do gás utilizado para aquecimento, ou 30 TWh, poderão ser poupados.