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Cultura

Língua menos falada do mundo é extinta com morte da última falante no Chile

Por João Paulo Martins  em 18 de fevereiro de 2022

Mundo perde Cristina Calderón e, com ela, o idioma yagan, típico da Terra do Fogo, na região da Antártida chilena

Língua menos falada do mundo é extinta com morte da última falante no Chile
Com a morte de Cristina Calderón, aos 93 anos, a língua chilena yagan se torna extinta (Foto: Twitter/lidiayagan/Reprodução)

 

A língua menos falada do mundo, segundo o livro de recordes Guinness World Records, e a "mais ao sul", foi extinta. A última falante nativa de yagan, Cristina Calderón, morreu na última quarta (16/2) aos 93 anos, na Terra do Fogo, no sul do Chile, levando consigo o idioma de seus antepassados indígenas.

Segundo a emissora estatal britânica BBC, ela era conhecida como “vovó Cristina” e considerada a guardiã de uma cultura que no século passado estava desaparecendo com a ocupação chilena da região de Magalhães, na Antártida chilena.

Os yagans povoavam os arquipélagos do extremo sul da América, ao longo da costa sul da Terra do Fogo e entre o Canal de Beagle e o Cabo Horn, explica a emissora.

Cristina Calderón – reconhecida como “tesouro humano vivo’ pelo Conselho Chileno de Cultura e Artes –, viveu em Villa Ukika, na Ilha Navarino, local onde os yagans se estabeleceram na década de 1960.

Ela era um membro ativo da comunidade. De acordo com a BBC, a “vovó Cristina” sempre foi vista trabalhando na confecção de cestas, usando fibras vegetais (junco) e uma técnica milenar que foi passada de geração em geração.

A última falante de yagan deixa sete filhos e 14 netos, mas nenhum deles aprendeu o idioma ancestral.

Uma das filhas de Cristina, Lidia González Calderón, comentou sobre a morte da mãe no Twitter. “Esta é uma notícia triste para os yagans. Mãe, para o yagan, sua partida cria um vazio cultural, humano e afetivo insubstituíveis. E nos coloca a tarefa de preservar sua memória e com ela a de nosso povo”, diz a chilena na rede social.

O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, também deu suas condolências. “Seu amor, ensinamentos e lutas do sul do mundo, onde tudo começa, continuarão vivos para sempre. Um abraço gigante para toda a sua família e Villa Ukika. Vocês não estão sozinhos”, comenta, citado pela BBC.

 

 

Sobre a língua yagan

 

Décadas atrás, o yagan já era considerado um idioma ameaçado de extinção. Constitui uma língua “isolada” ou “não classificada”: não faz parte das famílias linguísticas conhecidas nem tem vínculo com nenhum outro idioma vivo – como o português que se assemelha a outras línguas latinas.

Esse isolamento linguístico fez com que o yagan se tornasse difícil de ser entendido, especialmente as origens de suas palavras, estrutura e gramática.

De acordo com o Museu Chileno de Arte Pré-Colombiana, citado pela emissora britânica, o vocabulário da língua yagan está relacionado à natureza do sul, “usando palavras diferentes para os casos em que um adjetivo qualificativo é usado em português, especialmente em relação a espécies de flora e fauna”.

Por exemplo, “tahkáfi” em yagan é usado para dizer “congro preto” (espécie de moreia) e “imahára” para dizer “congro vermelho”.

Além disso, o idioma possui linguagem altamente aglutinativa, em que são formadas palavras enormes, com significados complexos, construídas a partir de várias outras palavras. Isso permite que uma única expressão tenha um sentido mais elaborado.

Japoneses, quíchuas e finlandeses também usam esse recurso para se comunicar, esclarece a BBC.

Com a miscigenação e a colonização espanhola, a língua yagan foi se perdendo gradativamente.

Nas últimas décadas, restaram alguns falantes do curioso idioma da Terra do Fogo, todos de idade avançada. Úrsula, irmã de Cristina Calderón, morreu em 2003, revela a emissora. Nessa época, a “vovó Cristina” disse que por ter ficado sozinha, não teria com quem conversar em yagan.

Como resultado, fez questão de preservar e transmitir tudo o que sabia sobre a língua e a cultura yagans, criando um dicionário para o espanhol.