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Saúde

Entenda o estudo sobre hidroxicloroquina citado pelo cantor Netinho no Instagram

Por João Paulo Martins  em 03 de junho de 2021

A pesquisa que o músico considera definitiva para provar o efeito do controverso remédio é observacional, não revisada por cientistas e com amostra considerada pequena

Entenda o estudo sobre hidroxicloroquina citado pelo cantor Netinho no Instagram
No estudo compartilhado pelo cantor baiano Netinho foram analisados dados de apenas 255 americanos hospitalizados com covid-19 (Foto: Instagram/netinhooficialbrasileiro/Reprodução)

Nesta quinta (3/5), o cantor baiano Ernesto Andrade Júnior, mais conhecido como Netinho, famoso pela música Milla (1996), publicou em sua conta do Instagram, que possui 264.000 seguidores, uma matéria da emissora americana Fox News dizendo que um estudo recente mostra o sucesso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19.

“Bolsonaro sempre esteve certo”, diz o músico no post que conta com 17.700 curtidas.

A notícia compartilhada pelo Netinho foi divulgada pela emissora americana na última quarta (2/5). No vídeo que consta no site da Fox News, a apresentadora Laura Ingraham entrevista o médico Stephen Smith, do Centro Smith de Doenças Infecciosas e Saúde Pública, em Nova Jersey (EUA), um dos autores do novo estudo sobre o remédio usado para malária e doenças autoimunes.

A jornalista pergunta ao especialista por que tantas pessoas “insistem em desqualificar de forma rápida o que você observou com seus próprios olhos, sua própria experiência, desde o começo?”

“Eu acho que existem motivos políticos estranhos que nunca vou entender. Especialistas em doenças infecciosas decidiam a quantidade e o tempo da administração da hidroxicloroquina e acabavam dando doses muito baixas [2.040 mg por cinco dias], baseadas em estudos farmacológicos […] Junto com meus colegas percebi que deve ser dada uma alta dose, que nem é tão alta assim, de 6.000 mg por 10 dias. Não é nada perto do que pacientes com lúpus recebem”, diz o médico americano à Laura Ingraham.

A apresentadora pergunta então quantas vidas poderiam ter sido salvas se a hidroxicloroquina tivesse sido administrada aos pacientes com covid-19 desde o começo da pandemia. “É complicado falar em números. Levando em conta pacientes entubados ou que precisaram de ventilação mecânica, acredito que poderíamos salvar 50%”, comenta Stephen Smith à Fox News.

Laura Ingraham força o entrevistado a dizer quantas das mais 500.000 mortes por coronavírus registradas nos EUA poderiam ter sido salvas com o uso de altas doses do controverso remédio. Ela pergunta se seriam salvas 10.000 vidas. “Mais que isso”, retruca o médico. A jornalista insiste e questiona se seriam evitadas 100.000 mortes. “Não gosto de falar sobre esse tipo de coisa. Eu tento olhar os dados. Nosso estudo não foi só sobre hidroxicloroquina, mas sobre todas as formas de tratamento”, diz o especialista.

Entenda o estudo sobre hidroxicloroquina citado pelo cantor Netinho no Instagram
Na entrevista da Fox News, a apresentadora Laura Ingraham faz de tudo para tirar as informações favoráveis à hidroxicloroquina do médico Stephen Smith (Foto: Fox News/Reprodução)

Sobre o estudo citado por Netinho

Primeiramente, é preciso dizer que o estudo citado por Netinho e que foi realizado pelo médico Stephen Smith e outros três colegas, foi publicado na última segunda (31/5) no repositório científico online medRxiv e ainda não foi revisado por pares (outros cientistas).

Além disso, os próprios autores informam no artigo que a pesquisa é observacional, ou seja, não é baseada em causa e consequência. As descobertas foram fruto da análise de dados de 255 pacientes com covid-19 que foram hospitalizados e necessitaram de ventilação mecânica invasiva durante dois meses.

A amostra que eles avaliaram também é considerada pequena. Para se ter uma ideia, dados de agosto de 2020 a 1º de junho de 2021 do site dos Centros de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos mostram que, em média, 123.865 americanos são hospitalizados semanalmente devido ao novo coronavírus.

No estudo recém-publicado, os pesquisadores descobriram que as condições pré-existentes mais comuns eram hipertensão (63,5%), diabetes (59,2%) e obesidade (50,4%).

“As comorbidades e o estado clínico na data da hospitalização não foram preditivos do resultado. Os marcadores de inflamação de admissão foram universalmente elevados [acima de 96%]”, afirmam os especialistas no artigo.

Segundo eles, a terapia combinada de hidroxicloroquina e azitromicina ajustada ao peso do paciente melhorou a taxa de sobrevida em mais de 100%.

Hidroxicloroquina refutada pela OMS

Em março deste ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou um estudo no jornal científico The BMJ, afirmando que, após análise de oito ensaios clínicos com 6.000 voluntários, não houve eficácia no uso de hidroxicloroquina na prevenção da covid-19.

A ineficácia do medicamento anti-inflamatório usado por pacientes com lúpus, artrite reumatoide e malária também foi confirmada por uma pesquisa publicado em novembro de 2020 no periódico científico The New England Journal of Medicine.

Um grupo de cientistas realizou um ensaio clínico randomizado e controlado, que durou 28 dias, comparando uma variedade de tratamentos possíveis em pacientes hospitalizados com coronavírus. Os voluntários foram divididos em dois grupos: 1561 receberam hidroxicloroquina e 3155 tiveram os cuidados habituais.

“Entre os pacientes hospitalizados com covid-19, aqueles que receberam hidroxicloroquina não tiveram uma incidência menor de morte em 28 dias do que aqueles que receberam os cuidados habituais”, concluem os pesquisadores.